sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

Primeiros Socorros

– Esses rapazes de hoje não tem amor à vida – resmungava um senhor lá pros seus 60 ou 70 anos descendo a rua com o corpo envergado e um cigarro entre os dedos.
– Não dão valor à vida – continuava a falar enquanto seguia para a esquina onde já se aglomerava uma multidão de curiosos.
– Eu não tenho pena deles, não. Tenho pena é do pai e da mãe que estão em casa dormindo e vão acordar com um telefonema! – exclamava uma mulher que voltava do local com uma criança no colo, indignada com o acontecimento.
No local os curiosos buscavam o melhor ângulo para registrar o fato com seus celulares, máquinas fotográficas e, acredite, um computador. Nos prédios em volta, as sacadas e janelas estavam povoadas, moradores acordados, antes de o despertador alertar, com o barulho estrondoso provocado pelo ocorrido.
A imagem forte, rotineira nos jornais, trivial para os médicos e policiais que prestavam os primeiros socorros, fazia do fato um evento.
– Parece coisa de filme.
Relatava mais um dos transeuntes que voltava do local. Logo, a ambulância saiu em direção ao hospital, sirenes ligadas, transportava um dos envolvidos. Em seguida foram embora também os bombeiros e a outra equipe de para-médicos. Não havia mais o que fazer no local.
Informações imprecisas diziam ora que eram dois, ora três os ocupantes do automóvel que subiu a calçada e adentrou no playground do prédio ao lado do meu. Mas foram três jovens com idades entre 16 e 20 anos, dois deles irmãos, conforme relatou mais tarde o telejornal local que também se valia da imagem do veículo esmagado contra a parede do prédio para narrar o acidente. Em seguida o pai de um deles desabafou:
– Não façam isso com seus pais. Não bebam antes de dirigir. Carro mata!
O noticiário seguiu com as demais reportagens. No local, hoje fechado por algumas folhas de compensado, os populares passam seguindo suas vidas, apontando e narrando a história para os que ainda a desconhecem.
– Maluco! Outra aqui pra galera! – gritava o homem sentado à mesa com alguns colegas, fazendo sinal para o dono do bar.
O sábado prosseguiu. Nos bares da rua próxima à esquina, entre um gole e outro de cerveja, a história se espalhava, cada vez mais impactante e com mais indignação. Os populares julgavam e davam a sentença final, sem direito à apelação, os envolvidos foram culpados e mereceram o fim que tiveram.
Dentro de casa prossegui com minha vida. Em frente ao aparelho de televisão, divagando entre um canal e outro, entre um intervalo e outro, fui observando que milhares de pessoas buscam a fórmula da felicidade e com esse rótulo são oferecidos livros, remédios e milagres.
Uma ditadura similar aos regimes políticos foi sendo instaurada. A população bate continência aos padrões ditados por uma minoria detentora de poder e capital. Os veículos de comunicação e em especial a televisão invadiram as vidas ditando o que se deve ou não usar, vestir, fazer, dizer e consumir para ser feliz e satisfeito com a vida.
Para entrar na “roda” é preciso “pegar leve”.
De canal em canal fui me deparando sempre com as milionárias propagandas de bebidas alcoólicas, com figuras conhecidas, famosos e estrelas bem sucedidas ocupando os intervalos mais caros da televisão e estampando sempre ambientes de agitação, amizade, curtição e felicidade.

“Pensou Novo, Nova Schin.” // “Experimenta”

"Boa, só se for Antártica." // "Antártica, a cerveja da Boa." // "Paixão Nacional/Do Brasil"
"Nem fraca, nem forte. No ponto." 2006

"Se beber chame um táxi. Se estiver acompanhado de três loiras suecas me chame primeiro."
"A cerveja que desce redondo." // "Mais skol, mais amigos, mais curtição."

"Refresca Até Pensamento." 1999 // "A número 1." 1991 // "Brahma é Brahma,Você Sabe!" 1985


Fico a me questionar qual a função das campanhas publicitárias educativas contra a dupla: álcool e direção. Propagandas sempre cinzentas, feias, tristes. Quando em seguida aparece uma melodia animada, pessoas contentes e felizes com a vida porque estão bebendo. Por que não mostrar que a vida também pode ser feliz sem necessariamente ter a presença do álcool?


Nos carros que passam com o som estremecendo os alicerces do prédio, o sucesso do momento: “Vamos embora, pra um bar, beber, cair e levantar” ou seria “Hoje é festa lá no meu apê, tem birita até o amanhecer”. Os ocupantes vestem camisetas de festas cujo um dos principais atrativos é o slogan: “Open bar”.


Enquanto isso outras “vitimas algozes” viram números.

E na Avenida Manoel Dias da Silva em Salvador (da qual saiu o automóvel do início dessa história para invadir o prédio) a prefeitura local através da SET (Superintendência de Engenharia e Tráfego) desenvolve uma “eficiente” campanha com um empolgante banner em um poste. Uma garrafa cortada por uma listra vermelha e a frase “se beber não dirija” ou seria “beba com parcimônia” ou “aprecie com moderação”, não recordo mais, porém a idéia era essa.

Essa foi uma tentativa de reprodução do banner feito pela SET. Além da Manoel Dias, também pode ser encontrado em vários pontos da cidade.